Transcrição: #032 Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

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Episódio e postagem completa:

#032 Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

 

Responsáveis pela transcrição: 

Arnoni | Laís Sartori | Renata Araújo | Marx | Kemmylle Ferreira | Henrique Soares


Caso encontre algum erro sinta-se livre para nos avisar.

TRANSCRIÇÃO

 

[Vinheta de abertura]

Arnoni: Alô, alô! Seja muito bem-vinda, começa agora mais um episódio do podcast Alô, Ciência?. Eu sou o Arnoni.

Marx: Eu sou o Marx.

Gollum: Eu sou o Gollum.

Arnoni: Hoje, vamos falar um pouco dos Desafios da formação educacional de surdos que foi o tema do ENEM 2017 e expôs o desconhecimento de muitas pessoas sobre o assunto e aumentou a discussão sobre a universalização, de fato, do nosso sistema de ensino. Assim, aproveitamos a oportunidade para convocar a Karina para conversar conosco, então, Karina, seja muito bem-vinda.

Karina: Olá, muito obrigada pelo convite. Bom, pessoal, eu sou a Karina Maldonado, sou professora da faculdade de Educação, trabalho com LIBRAS já há 5 anos e gostaria de compartilhar com vocês uma discussão tanto conceitual, quanto de prática, quanto de vida, porque eu acho que o tema do ENEM faz a gente parar para pensar e repensar a inclusão e a exclusão das pessoas com alguma diferença ou em condição de deficiência.

Arnoni: Excelente. Então, durante esse episódio, espero que a gente consiga trazer maiores discussões e mais informações sobre esse tema que foi tão, talvez, controverso ou pelo menos inesperado para muitas pessoas, né. E mais do que normal, é um tema que, infelizmente, não é muito debatido.

Bom, mas antes de começar queria fazer algumas ponderações. Queria falar que o objetivo deste episódio é focar na formação educacional para surdos. Obviamente teremos questões e desafios que são comuns a pessoas com outras limitações ou deficiências e para o sistema educacional como um todo. Então, se você quiser saber mais sobre acessibilidade e ouvir relatos e experiências de pessoas com outras deficiências, recomendamos, especialmente, os episódios 64 do Dragões de Garagem e 58 do Mamilos que tratam desses assuntos de uma maneira excelente e muito completa. Lembrando que referências e materiais úteis estarão na postagem deste episódio, então não deixe de conferir esses conteúdos.

A segunda ponderação é que nosso podcast é uma mídia exclusivamente de áudio e nosso tema vai falar sobre pessoas que não conseguem ou possuem grande dificuldade de ouvir. Sabendo disso,  nos comprometemos a transcrever este episódio, o que talvez não seja ideal como veremos ao longo da nossa conversa, mas tentará garantir que este conteúdo consiga atingir mais pessoas. Além disso, a gente também vai tentar gravar um vídeo sinalizando essa nossa conversa. Conversamos com a Karina aqui e ela tem contatos que talvez nos auxiliem a fazer isso, então, a princípio vamos tentar transcrever e, assim que possível, também sinalizar esse vídeo.

Transcrever nossos episódios já é uma ideia antiga e nenhum tema melhor do que esse para começar. Mas, para isso, vamos precisar da ajuda de todo mundo, então, se quiser participar fique à vontade para entrar em contato conosco e saber como nos ajudar a tornar esse conteúdo um pouco mais acessível. E três, infelizmente não temos a presença de um surdo aqui na mesa conosco, mas conseguimos o relato de pessoas que gentilmente nos escreveram como foi sua formação escolar e social e iremos ler esses relatos aqui. Então, se você for surdo e discordar de qualquer coisa do nosso conteúdo ou concordar e quiser expor suas ideias e pensamentos, por favor, sinta-se livre para entrar em contato conosco e colocaremos seu relato em episódios futuros. O intuito deste episódio é aumentar a discussão sobre este assunto e ninguém melhor para falar sobre uma realidade do que quem a vive, então nossos meios de contato estarão sempre abertos para quem quiser contribuir com nossas conversas.

Você pode mandar sua mensagem para o nosso email que é o contato@alociência.com.br, ou nos nossos aplicativos de mensagens instantâneas através do número (11) 94887-0901. Você também consegue falar conosco nas redes sociais, no Facebook, Twitter, Instagram e Youtube, somos “/alociencia” e se você gostou desse projeto e quer colaborar financeiramente conosco: “apoia.se/alociencia” e “patreon.com/alociencia”. Isso nos ajuda bastante a crescer e, quem sabe, aumentar nosso alcance com temas tão legais como esse.

Karina, para começar nossa conversa acho que nada melhor do que tentar definir alguns termos, né? Porque a gente ouve muito, quando saiu o tema, muitas pessoas falaram assim “ah, mas chamou eles de surdo o certo não seria deficiente auditivo?”, então acho legal a gente começar definindo alguns temas como: surdo, ouvinte, pessoa com deficiência ou portador de deficiência. Podemos começar com isso.

Karina: Tá, então vamos lá. Eu quero começar descrevendo uma situação porque a minha filha prestou ENEM, né? E eu aguardei, fui buscá-la e haviam pessoas no ponto de ônibus e eles diziam assim: “Nossa, mas como é que vai sair esse assunto na prova? Eu nunca vi um surdo! Eu nunca estudei com um surdo! Como é que vai cair na prova o surdo?”. Eu acho que essa descrição traz para a gente uma forma caricata, mas infeliz do fato de que a gente não tem contato com as pessoas surdas. Quantos de nós passa toda sua escolarização sem nunca ter tido um contato com a língua de sinais, né? Então, partindo desse pressuposto eu gostaria de fazer umas discussões conceituais e aí eu vou trazer junto a questão do histórico da educação de surdos no Brasil. Eu não tô falando de mundo, não tô falando de França, de Alemanha, mas algumas coisas que aconteceram em outros países trouxeram efeitos e impactos para a nossa realidade. Então, vamos começar lá com D. Pedro, D. Pedro II traz para o Brasil um professor surdo, Eduardo Huet, e em 1857 é fundado o Imperial Instituto de Surdos-Mudos. Primeira parada: surdo-mudo. Surdo-mudo naquela época, por quê? Porque a pessoa não falava e não ouvia. Ou não falava porque não ouvia, né? Então a gente acabou usando esses termos e ainda hoje há pessoas que usam essa forma de se colocar diante da pessoa surda. Mas aí nós temos a seguinte questão: 95% dos surdos nascem em famílias ouvintes, ok? Ou seja, nós temos aí o impacto dessa relação em que há uma pessoa surda em uma família ouvinte. Começam aí nossas questões. Por quê? Porque a família muitas das vezes não aprende a língua de sinais, a Libras, e essa criança é oralizada, essa criança vai fazer sessões de fonoaudiologia exaustivas, cansativas, e aí ela vai acabar assumindo uma condição e uma identidade que se pauta pelo viés clínico e médico, ou seja, a pessoa se considera uma pessoa com deficiência auditiva. Muito bem, quando nasce uma criança e a primeira língua dela, a língua natural, é a língua de sinais, a Libras, ela vai ter uma construção identitária diferente, então ela vai se entender como surdo. Então aí a gente já começa a limpar alguns conceitos. Deficiente auditiva é um viés médico e a pessoa pessoa que usa implante coclear, aparelho auditivo, que usa amplificador é uma pessoa que se considera com deficiência auditiva. E uma pessoa que usa língua dos sinais, ela tem uma identidade como surda. Quandos nos usamos, por exemplo, “Fale sobre surdez”. Muitas pessoas podem dizer: Ah, tá falando sobre o surdo. Não dá pra fazer essa confusão. Quando você usa o termo surdez, você tá partindo do pressuposto biológico, então você está considerando deficiência auditiva. Quando a gente fala de educação de surdos, a gente tá falando de pessoas que usam a língua de sinais. Essas diferenças são centrais, tá? Quando a gente fala de deficiência. Não se tem tomado o cuidado necessário para falar do conceito de deficiência. Conceito de deficiência parte de uma questão biológica, responsabilizando o indivíduo pela condição dele para, eu diria que é uma guinada conceito, que vem o com a “Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência”. Não dá pra parar no termo “Lei da Inclusão”, por que se fosse assim, deveria falar de todas as minorias. Quando nós falamos do conceito de deficiência, é importante que nós pensemos na “Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência”. Trazemos uma dica para pensar. O conceito de deficiência inicialmente trazia como origem a base biológica., considerando que a pessoa era responsável por isso. A grande guinada vem com a “Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência”, em que se para pra pensar muito mais nas barreiras construídas socialmente. A pessoa que surda que nasce naquela família que acabei de dizer, que é ouvinte, o problema não é ela ser surda. É a família não aprender libras. É a sociedade não saber libras, a libras ser a segunda língua do nosso país, e uma porcentagem mínima sabe essa língua. Aí traz essa questão e esse movimento. Voltando para a questão dos conceitos. A “Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência”, aí precisamos destacar, ela não pode ser tratada apenas como “Lei da Inclusão”. Por quê? Porque ela não trata da inclusão de todas as minorias. Então é importante que a gente leve em consideração o nome completo da legislação. E aí a gente tem uma questão importante conceitual porque a comunidade surda, ela não se considera pessoa com deficiência. A comunidade que tem identidade surda, que usa a libras como sua L1, com língua natural, eles não se veem como pessoas com deficiência. Mas por que  isso? Porque o conceito anterior trazia responsabilidade para eles. Hoje quando a gente desconstrói essa responsabilização do indivíduo, e traz para o social. Eu convidaria a comunidade surda a repensar o conceito de deficiência. Porque não é um conceito de deficiência biológica, é uma condição de deficiência imposta pela sociedade. Então tem um trecho no livro do Oliver Sachs, Vendo vozes, que ele fala o seguinte, há uma ilha em que a língua de comunicação é a língua de sinais. Por quê? Porque nessa ilha havia muitos casamentos consanguíneos. Então, parentes se casavam e acabava acontecendo a condição de surdo. Muito bem, quando uma criança surda nasce nessa ilha, ok, sem problemas. Ela tá no meio dela. O problema foi quando começaram a nascer os ouvintes. Por quê? Porque aí os ouvintes, sim, que eram a diferença e exigiam dessa comunidade mudanças. Então até agora a gente falou sobre o que? A gente falou sobre surdo-mudo, que não é surdo-mudo. Se eu uso um termo que vai tratar do viés médico, eu uso surdez, se eu trato a questão sócio-antropológica, eu uso surdo. Ok? Deficiência. Deficiência é uma condição, um encontro entre o impedimento de um indivíduo com as barreiras. Ou seja, a responsabilidade social é muito maior, aproveito para dizer, portador de deficiência. Que consta na nossa constituição. É algo que precisa mudar urgentemente. Por quê? Porque as pessoas em condição de deficiência, ela não pode, por exemplo, um cego não vai acordar um dia e dizer: não sou mais cego, vou me tornar vidente. Então ele não porta isso. Isso faz parte da sua essência e do seu ser integral. Então é importante que a gente pare pra pensar nesses conceitos. Deficiente. Quando eu uso o termo deficiente, eu to dizendo que aquela pessoa é incompleta. Também não tá correto. Então eu diria que com a “Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência”, o termo legal e cientificamente construído é pessoa com deficiência. Ela é um ser humano completo que tem um impedimento que diante das barreiras se torna uma condição de deficiência.

Arnoni: E que esse impedimento não parte dela, o impedimento parte do ambiente que não possibilita que ela experimente sensações que outras pessoas poderiam experimentar, por exemplo, né?

Karina: Sim, mas essa questão do impedimento é um impedimento de longo e de curto prazo. Deixe eu dar um exemplo para vocês entenderem. Vamos lá, nós somos aqui… Não temos problemas de locomoção, não temos problema físico nenhum e o que acontece? A gente quebra a perna. Então, a gente passa a ter um impedimento, então a gente vive uma condição de deficiência. Pensa que a gente está falando de São Paulo, pensa uma pessoa que está com o pé quebrado, com pé engessado, para andar nas ruas de São Paulo. É isso que a gente está falando. Essa condição não é uma responsabilidade do indivíduo, mas é um impedimento para que ele possa se locomover ou se comunicar da forma que as outras pessoas se comunicam. É isso que a gente tem que ter clareza. É importante a gente pensar que as pessoas… cada uma de uma forma diferente, cada um é diferente um do outro. A sociedade… ela cria normas, ela cria exigências que nem todos nós satisfazemos. Então, acho que esse é o movimento e eu acho que essa é a grande abertura que traz esse conceito.

Fundamentalmente, a educação de surdos no Brasil teve três grandes marcos (ou modelos) de atendimento ou educacionais, como a gente diz, né. O primeiro deles seria o Oralismo porque, em 1880, com o congresso de Milão, que foi feito por ouvintes, de que os surdos não participaram, decidiu-se que o Oralismo,  vindo da Alemanha,  era a forma de se ensinar o surdo. Então, eles não podiam mais usar as mãos, não podiam usar gestos; o modelo francês, que articulava gestos com a escrita do francês também não podia mais ser usado e tinha que ser feito o Oralismo. Muito bem, nós tínhamos o Instituto Imperial aqui fundado. Então, o que acontece? Muda-se a direção desse Instituto para quem vai trabalhar com Oralismo. Os surdos passam a ser proibidos de usar as mãos. Então, o que se fazia com esses estudantes? Eles ficavam sentados em cima das mãos para não poder gesticular. E, aí, tem uma parte muito legal num livro que é de histórias de pessoas surdas que… conta-se que, em Belo Horizonte, havia uma escola em que havia muitos surdos e o faxineiro era surdo. Então, na sala de aula não se podia usar gestos, só que, na hora do intervalo, o faxineiro levava todo mundo para o quartinho dele e eles usavam sinais. Então, eu acho que essa resistência é uma resistência legal. Essa resistência é a que fez com que nas décadas de 70 e 80 se iniciassem os estudos quanto a língua de sinais brasileira.

Então, nós temos aí um primeiro movimento, que é o Oralismo. Todo surdo deveria ser oralizado. Pessoal, uma pessoa com uma proficiência fantástica em leitura labial entende 20% do que se fala. Então, mesmo que seja proficiente, a compreensão não é das melhores. Depois desse movimento de Oralismo, nós temos o que? a Comunicação Total. Então, escreve, desenha, pantomima, sinal, gesto, faz qualquer coisa para ver se o surdo entende. Vai aumentando a nossa dívida educacional com o surdo. Porque a gente não possibilita que ele aprenda.

Então, no momento em que a língua de sinais se torna língua do surdo, quando a gente tem esse movimento de compreensão que a L1 é a libras, a gente tem o movimento do Bilinguismo. Bilinguísmo por quê? Porque a gente está em um país em que a língua oficial é o português. Só que o surdo não é obrigado a falar português. Ele vai ter a libras como sua primeira língua, mas o português – escrito – como segunda língua. Então, acho que essa é a grande… eu diria que é o cerne da questão! Porque nós queremos que o surdo saiba libras e saiba português da mesma forma. Basta entender um pouquinho de ensino de… Aí é que está: as pessoas me perguntam: “qual é a metodologia de ensino da L1?” Gente, metodologia de ensino da L1… não existe uma metodologia escolar para se ensinar L1 para alguém.

Arnoni:  L1 você diz língua materna, né?

Karina: Língua materna, língua natural. O que que a gente quer dizer com isso? Como é que nós aprendemos o português? A gente sai do útero materno e, aí, alguém começa na nossa cabeça: “casa”, “escrever”? Não! É natural! Por isso que é “língua natural”. Então, se você me disser metodologias de ensino da libras para um surdo que não teve aquisição de língua, eu compreendo, mas como L1 não existe metodologia, porque a gente aprende a língua naturalmente, no uso dela… no “expressar”, no “se comunicar”.

Arnoni: Karina, uma coisa que você, agora contando no histórico me chamou muito a atenção e quando eu estava estudando para a pauta e quando eu fiz a sua disciplina também, me chamou a atenção… é que você fala muito da educação aqui no Brasil e fala que foi proibido o uso da libras aqui no Brasil e isso aconteceu há 50 anos, né? Assim, as pessoas com deficiência existem desde que existem pessoas, né. E só há 50 anos que a gente começou a ter algum tipo de cuidado com a comunidade surda ou com pessoas com deficiência, no caso, para educá-las. Você mesma falou que teve congressos aqui em que eram pessoas que ouviam que tomavam as decisões pelo surdo. Então, acho que o Bilinguismo e todo esse movimento foi muito importante para a comunidade surda no sentido de eles serem capazes, ou pelo menos terem voz, para tomar as decisões por eles mesmos, né? Não outras pessoas falando pela comunidade. Eles falam por eles mesmos.

Karina: Acho que essa é uma questão importante, Rafael. Quando nós dissemos a questão da comunidade surda… Se nós pensarmos na Educação Especial no Brasil, a comunidade surda é a única que se organizou como comunidade, como bloco, né. Nós não temos a luta das pessoas com deficiência física de forma efetiva, mas a comunidade surda, sim. Ela se… e aí está uma tese, defendida na Faculdade de Educação, do Fábio Bezerra, que conta justamente isso: como é que se consolida o movimento surdo. Porque a conquista de uma língua brasileira da comunidade surda não é fruto de uma discussão leve. Ela vem de uma luta de um movimento. Então, acho que aí você traz o cerne da questão: nós só temos esse movimento porque os surdos se organizaram, porque eles realmente são uma comunidade, porque eles têm uma identidade e porque existe a cultura surda. Então, acho que essa é a grande sacada desse movimento.

Arnoni: Bom, agora que a Karina trouxe um pouco do histórico da formação educacional de surdos, principalmente no Brasil… a gente trouxe um pouco do histórico, mas vamos falar agora da parte mais contemporânea, a parte de como que é feito hoje. Porque o tema do ENEM quer saber quais são os principais desafios hoje. Então, como dito no começo do episódio, a gente, infelizmente, não tem nenhum surdo aqui na mesa, mas trouxemos relatos de pessoas que escreveram, surdos que escreveram para gente, e vamos ler agora esses relatos aqui para entender o que eles tiveram como formação e como que foi a vida escolar deles.

Ah, são alguns depoimentos, né. 7 depoimentos frente a 10 milhões de surdos que temos no Brasil, então, obviamente vai ter um recorte, mas acho que já dá para ter uma boa ideia e eu já agradeço de antemão às pessoas que contribuíram. No final aqui eu falo o nome delas. Agradeço muito (mesmo!)  o fato de elas se disponibilizarem a escrever e mandar relatos de como que foi a formação educacional delas. Eu vou ler exatamente como elas escreveram, né. Bom lembrar que são pessoas que possuem o português como segunda língua, então a gente vai notar, às vezes, que a estrutura sintática é completamente diferente do que a gente está acostumado, né. Porque a libras é completamente diferente do português, como a Karina já falou no episódio. Então, é isso, eu agradeço imensamente às pessoas que participaram.

O primeiro relato diz o seguinte: sou Guilherme, nasci normal, 4 meses após peguei meningite e fiquei surdo até hoje. Formei Gestão Financeira. Estudei escola especial dos surdos, depois estudei no colegial normal que tive intérprete só aula extra após aulas acabaram. Aprendi libras na escola especial desde pequeno e olhei muito a gente fala o lábio, mas não entendi perfeitamente e alguns só entendi um pouco. Fiz fonoaudióloga quando jovem e aprendi voz, mas não sou falar bem até hoje só um pouco, porque voz surdez é bem diferente que ouvinte. Tem alguns com preconceito, que falam e provocam os surdos como “mudo”, “burro” e não sabem nada, mas não é. Tem surdos inteligentes. Pra mim, acho não era difícil estudar. Só li a lousa como ler livro para entender, comunicar colegas que se eles gostariam aprender os libras e ou escrever o papel a conversar. Minha mãe aprendeu na escola especial que estudei lá por causa para me comunicar e meu pai não sabe muito bem, só um pouquinho rsrs. Até minha irmã sabe tudo, mas não é igual libras de surdos… Conversa libras em lobo como família, sabe?

O segundo relato é da Emanuele, ela começa assim: meu nome é Emanuele, nasci ouvinte e tive meningite ainda pequena e a sequela da doença foi a perda da audição. Trabalho no Bradesco Seguros no setor administrativo e sou formada em Administração de Empresas. Meu sonho é continuar a estudar e fazer mais cursos. Amo ler e estudar desde pequena.  Depois que eu fiquei surda, meus pais já conheciam outras pessoas surdas que eram amigas deles e pediram ajuda e indicaram várias escolas especiais somente para os surdos, entrei na escola especial em Pirituba e lá na escola especial os professores sabiam as libras. Na escola especial para mim foi tranquila porque todos os materiais que eu aprendi eram com libras, o que  facilitou muito para mim, mas aula de Português foi o mais difícil para mim. Quando na escola eu escrevia errado, os professores falavam que estava certo (minha primeira língua é libras), mas, na verdade, estava quase tudo errado. E quando eu chegava em casa minha mãe sempre falava “isso que você escreveu está errado” e ela sempre corrigiu os meus erros de escrita de português. Sofri muito, mas aprendi, graças a minha mãe. Acho que a escola especial precisa melhorar muito e muito mesmo. libras é muito bom para todos nós para a comunicação, principalmente. Porém os estudos de português é péssimo, infelizmente. Acredito que a educação e também os professores precisam adaptar e estudar como ensinar para os surdos entendem português. Minha mãe conseguiu me ensinar, por exemplo. É ter muita paciência e atenção. Tem surdos oralizados escrevem muito mal mesmo. Não entendo como eles falam bem, mas escrevem não. Passei no colegial na escola normal (não especial), não tinha intérprete e eu sentava na frente perto dos professores para poder entender com a leitura de labial o que eles diziam. No primeiro ano, eu passei muito mal nas provas e chorava muito. Lutava muito com os professores para entender todos as matérias e, principalmente, a redação. Com o tempo, eu consegui me adaptar e, no segundo e no terceiro ano, eu fui bem. Desde então, eu acredito que a educação na escola especial me atrapalhou muito porque não consegui aprender muita coisa, principalmente os verbos (passado, presente e futuro) e os vocabulários formais, porém libras não tem tempo verbal. Em português tem pretérito perfeito, mais que perfeito, futuro do presente… (eu faço, eu fiz, eu farei, eu faria, eu fazia…) Em libras só tem “fazer” e o tempo é o advérbio (ontem, hoje, amanhã). Enquanto na escola ouvinte eu vi o mundo dos ouvintes e percebi o quanto é importante aprender sempre escrever bem língua portuguesa. Aprendi a libras desde que eu comecei a estudar na escola especial e só comecei a aprender a ler os lábios quando entrei no colegial e eu fazia fonoaudiologia, não sei se me ajudou muito, mas quem me ajudou, mesmo, foi realmente a minha mãe. (ela me ensinava a escrever certo, ler os lábios e fazia eu gostar ler os livros). Não tenho implante porque eu gosto de mim mesmo do meu jeito que sou. Para implantar vale a pena para as crianças que evoluem melhor do que adolescentes e adultos. Infelizmente existe muito preconceito. Eu não ligava e nem ligo para os preconceituosos. Tenho é pena deles. O que me irrita é que eles me veem como eu sou bem capaz e depois ficam me perguntando “nossa, como assim?, impossível, blá blá”. Minha família sempre respeitou a minha língua, mas eles também me orientaram a escrever certo e falar para eu ter dois mundos diferentes. Acho fundamental a família aprender a libras também para se comunicar com os surdos. No Brasil, infelizmente, o educacional não está evoluindo para os surdos, mas não só a educação. Faltam intérpretes em vários lugares como, por exemplo, em consultórios médicos.

Gollum: Eu vou ler o terceiro relato desse episódio e começa assim: meu nome Camila, nasci surda e tenho vontade faculdade só futuro vou fazer… por dinheiro. Estudei na escola especial Vera Cruz, em Pirituba, eu era pequena aprendeu bastante a estudou e libras também tinha intérpretes. Eu aprendeu sinais de libras que bem pequena, não lembro idades. Eu aprendeu a ler lábios na fonoaudiologia. Eu fiz treino voz de falar para aprendeu bastante lábios. Nunca implante que eu existe era pequena usou aparelhos até parou 19 ou 20 anos porque quebrou o aparelho e não comprar novo. Eu amei usar aparelhos. Sobre preconceito: depende que eu não importa. É importante da minha vida porque tem capaz fazer as coisas lutar isso. É difícil um surdo estudar em escola normal porque ouvintes falar rápido, precisa falar devagar. Também escrever português profundo, sabe? Porque eu não acostumei português que eu uso de libras, depois, segundo, português. Minha mãe sabe um pouco de libras ou falar, que eu leio lábios. Tudo mais entender para minha mãe também, meu pai não sabe de libras, só falar isso.

E o quarto e último relato: Sou Jaqueline, nasci surda por genética de família, formada de Pedagogia. Na faculdade tinha intérprete e estudo pós-graduação. Importante de estudar para crescer o conhecimento. Estudava a escola especial quando tinha 3 anos até 11 anos, depois fui para escola regular, sem intérprete. Fui esforçada para ler os lábios dos professores. Aprendi libras por causa da família parte da materna, minha tia e vovó são surdas. Ler lábios, fazia fono, ajudou. Não tenho implante, apenas uso aparelhos auditivos. Muito difícil viver assim, sem acessibilidade. Tenho dificuldade a segunda língua como português.

Arnoni: Então, queria agradecer muito ao Guilherme, à Emanuele, à Camila, à Jaqueline, ao Éden e à Aline. Pessoal, muito obrigado pela contribuição de vocês. Espero que outros surdos sintam-se à vontade também de mandar relatos e mandar experiências. Além disso, também recebemos áudios de surdos oralizados e a gente vai colocar eles aqui pra vocês agora também.

Éden: O meu nome é Éden Barbosa. Fiquei surdo porque a minha mãe, durante a gravidez (três meses)… ela teve rubéola e, hoje eu trabalho no banco e sou formado de Gestão de R.H.

Como que foi a minha vida escolar desde pequeno? Eu sempre estudei em escola inclusão, escola normal, junto com ouvinte porque, na minha cidade, interior, que chama Atibaia, não tinha muito conhecimento de libras. Então, fui obrigado a estudar escola-inclusão e comecei a fazer “fono”. “Fono”… e com 3 anos de idade até com 16 anos… e terminei. Eu parei de fazer “fono” porque comecei trabalhar. Fui aprendendo convivência junto com ouvinte, aí aprendi a falar bem. Eu nunca tive intérprete na escola de Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Eu só tive a experiência de intérprete na faculdade.

Como que eu aprendi libras? Há seis anos atrás, quando eu conheci a comunidade aqui em São Paulo e a convivência com os surdos. Aí eu fui obrigado a fazer curso de libras para tentar a comunicar com eles, pois eu preciso conhecer o meu mundo. Pois eu tenho meu mundo de surdo e meu mundo de ouvinte, porque eu fui criado junto com ouvinte.

Se eu tenho implante? Eu tenho. Mas, para mim não deu certo. É do lado direito. Eu coloquei o implante… não deu certo porque… é… não deu certo… como é que fala a palavra?… não rejeitou… tipo, não aceitou… o meu cérebro rejeitou. Porque eu coloquei com 23 anos de idade. Hoje eu tenho 31 ano e… não tenho nada preconceito com implante, eu sou a favor.

Aqui tá perguntando como “é difícil para um surdo estudar em um mundo de ouvinte?” Para mim não é tão difícil, eu acho que depende de cada um. No meu caso, foi muito fácil de conviver junto com ouvinte do que surdo. Para mim, eu já tenho dificuldade maior a conviver com os surdos porque eu fui criado no meio dos ouvintes, fui criado no meio da igreja católica da comunidade, então trabalho no grupo de jovem da igreja, então até hoje. Então, para mim, eu não vejo a dificuldade de conviver junto com ouvinte. Claro, tem alguns momentos em que eu fico dificuldade para ouvir porque não escuto 100% eu faço só leitura labial. A minha deficiência auditiva é profunda, bilateral profunda. É um dos piores surdez. Então, através da “fono”, que me ajudou e a minha família. É muito importante, porque o apoio de família ajuda muito. Porque não adianta colocar na escola, as melhores escolas, top. Aprende na escola um pouquinho, mas passa o maior dia com a família. Então, a minha família sempre me apoiou, estimulou, eu treinei muito com a minha mãe, com voz. Ela treinava todo dia escrita, a fala,  tudo isso. Então, família é fundamental. É isso. Então, agradeço e espero que tenha ajudado.

Aline: Meu nome é Aline. Sou surda desde pequena por motivo desconhecido. Me formei em Letras – Português/ Inglês. Sou professora, mas não trabalho na área e ainda sou oralizada. Sempre falei bem e também fiz muita “fono” durante a infância. E meus pais não sabiam libras, nem eu. Eu estudei em escola regular até a sexta série. Sem intérprete de libras. Sofria para passar de ano, mas conseguia. Tinha muitos amigos CDF e eles ajudavam me ajudar. E me ajudavam bastante mesmo na escola. Aí, na sétima série, entrei em uma escola especial para surdos, e os professores ensinavam libras e também falavam devagar. Aí eu aprendi muito e melhorei na escola, comecei a tirar boas notas. E havia a leitura labial, né, além da libras. Eu tinha 15 anos quando aprendi libras. Optei pelo implante coclear com 22 anos, porque sou apaixonada por música e valeu muito a pena! Pois hoje consigo escutar muitas coisas que me ajudam no dia a dia. Quando eu fiz faculdade, não tinha intérprete de libras, só tinha o implante para me ajudar. Eu conseguia ouvir os professores, mas não conseguia ouvir meus colegas conversando por causa do barulho na sala. Aí eu me sentia sozinha e com muita saudade dos tempos de escola, com os surdos. Realmente, a educação dos surdos no Brasil está muito precária. A escola especial… ela é bem acolhedora, mas, na época, os profissionais não tinham muito preparo. E a escola inclusiva consegue ser pior, porque todas as matérias serão traduzidas por um intérprete e toda tradução, infelizmente, tem falhas.

Rogério: Eu sou Rogério, tenho 35 anos. Como eu fiquei surdo? Eu fiquei surdo por causa do meningite. Um tempo atrás, eu era bebezinho, de 10 mês de idade, peguei uma sequela em… peguei um vírus do ar, né. Aí eu perdi a audição por causa disso. O que eu faço hoje? Eu uma área de banco de dados estou fazendo atendimento a distância. Sou, sou formado em faculdade? Ainda não. Falta o último ano para terminar.

Como foi a minha vida numa escola… desde pequeno, na minha época? Então, como eu estudei, se eu estudei em uma escola especial? Sim. Eu estudei em uma escola especial, sim. Primeiro, escola normal, aí eu tinha dificuldade, né. E eu não estava usando aparelho auditivo. Naquela época era muito caro e a gente não podia comprar o aparelho. Naquela época era muito difícil pagar isso porque o valor era muito alto. Então, aí eu fiquei dificuldade por causa disso. Na escola normal. Depois disso, me colocaram numa escola especial. Aí eu fui evoluindo, evoluindo. E depois que eu evoluí, eu comecei a pegar o ritmo, o aprendizado. Depois de três ou quatro anos eu voltei em escola normal. Aí, até hoje eu estudei em uma escola normal. Nunca mais voltei em uma escola especial. Porque eu comecei a aprender e não precisava mais da escola especial, porque eu já tava evoluindo, né… daqui pra frente. E não tinha intérprete naquela época. Não tinha, nunca. Nunca teve. Só foi ter intérprete de 2005 pra cá. Começou uma intérprete na faculdade, uma intérprete na igreja e assim vai. Mas, na minha época nunca existiu.

Arnoni: Hoje, no Brasil, segundo o censo de 2010 realizado pelo IBGE, nós temos 9.7 milhões de pessoas com deficiência auditiva, quase 10 milhões. E, desses, pouco mais de 2 milhões apresentam deficiência auditiva severa e cerca de 1 milhão são jovens de até 19 anos. Então, temos muitas pessoas surdas no Brasil e a gente precisa educá-las. Elas precisam fazer parte da formação educacional no Brasil. Então, quais, hoje, são os desafios para a formação dessas pessoas?

Karina: Então, acho que o primeiro comentário que precisa ser feito é que os dados coletados pelo IBGE… eles vêm com uma questão, que precisa ficar clara: é autodeclaração e você não define qual é a condição desse indivíduo. Na minha opinião, você precisaria entender se ele se considera “surdo”, ou seja, se ele é usuário da libras ou se ele se considera “pessoa com deficiência auditiva”. Porque aí você tem todo mundo junto e misturado. Tá? Quando você fala da questão da educação de surdos, eu te diria que, aí sim, o movimento das pessoas com deficiência auditiva ou surdas… elas têm tido uma educação precaríssima, com extremas limitações, com processos exclusivos, com processos de sofrimento, né? E como os relatos indicam, né? O rapaz diz: “não, mas foi a minha mãe que me ensinou.” Então, muitas vezes, são os familiares e, me desculpem, mas, na maioria das vezes, as mães, que assumem essa posição e acabam ensinando para o filho muitas coisas. Nas leituras que você fez dos relatos, a gente percebe o quanto o surdo escreve… ele tenta usar o português para escrever libras. Então, esse é um grande desafio que eu te diria. Quais são os desafios?

Primeiro, que eu já tinha dito antes, né: pensar a aquisição da libras como língua natural, ou seja, não se ensina. Ela acontece. Nós aprendemos – na escola – a língua culta, a gramática. Então, eu discutia isso com uma colega da UFABC, a professora Cláudia Vieira, que a grande questão aí é que o surdo… ele aprende a libras. E aí, a gente volta um pouquinho na questão da história, dizendo que essa língua… ela está em plena consolidação. Nós temos a variação linguística, que ela acontece de cidade para cidade, de estado para estado. Então, é uma língua que começou a ser criada como? Com gestos caseiros. Então os gestos construídos nas famílias impregnaram a língua de sinais e nós temos um outro fenômeno também, que eu acho que casa com isso que a gente está falando, que é o português sinalizado. Então você tenta fazer sinais a partir de uma estrutura de português. Como é que tem-se ensinado libras para surdos? Como se ensina o português, ou seja, por palavras. Então, para ensinar sinal, você tem que trabalhar com sinal. Então, as crianças surdas precisariam aprender a libras naturalmente e, quando entram na escola, elas vão aprender a sistematização dessa língua, a gramática da língua, a língua culta, que é uma língua de outra modalidade. Então, ela tem exigências diferentes, ela tem gramática diferente, ela tem fonética diferente. Então, essas são questões importantes para a gente parar para pensar.

Então, desafios. Primeiro: esse legado que nós temos de não sabermos ensinar a língua de sinais como língua natural. Um outro movimento é ensinar o português para o surdo, porque o surdo… ele não tem conseguido aprender português. Por quê? Porque lhe falta uma língua de base para a aprendizagem do português. Muitas vezes, nós nos deparamos nas escolas com pessoas com 15, 16 e até 20 anos que não têm nem um português consolidado, nem a língua de sinais consolidada. Então, aí a gente tem um desafio muito maior. Aí, sim, a gente precisa de um método de ensino. Aí, sim, a gente precisa de um método de ensino tanto da língua de sinais, quando do português para essas pessoas.

Essa é…  outro grande desafio: é o respeito à identidade surda. É se olhar para a comunidade surda a partir do prisma da sua cultura. E, como diz o relato do primeiro… do rapaz, ele diz assim: “eu não aprendia muito na escola” porque os professores não sabiam ensinar. Então, ensinar um surdo é diferente de ensinar um ouvinte, porque a língua de sinais exige que você consiga, por meio dos sinais, descrever para possibilitar a construção da imagem mental dessa pessoas. Eu não estou dizendo que os professores precisam colocar desenhinho para cada coisa. Mas é a condição de criar a imagem mental daquilo que você está propondo. Aproveito para dizer que ouvinte não cria sinal, quem cria sinal é surdo. Então, o grande desafio que nós, ouvintes, temos é, por meio da libras, fazer com que os surdos entendam o conceito. E aí eu tenho discutido isso muito com os meus estudantes. Por quê? Porque a gente comete um grande erro, e aí, aproveitando que a gente está falando no Alô, Ciência?, que a gente escreve a palavra na lousa, por exemplo, “inércia” e vai tentar explicar inércia. O que que eu tenho que fazer com o surdo? Eu tenho que explicar para ele o que é a inércia para que ele crie o conceito. Então, eu acho que, nós, ouvintes, temos muito a aprender com os surdos e com a educação de surdos. Porque não adianta você escrever um termo ou escrever um conceito e achar que ele per se vai dar conta da compreensão dos alunos. Então, ele precisa entender o conceito para construir a palavra ou o sinal que vai representá-lo.

Arnoni: Karina, eu queria, então, te perguntar uma coisa, que acho que é dúvida de muitas pessoas… que fica essa discussão: o surdo tem que ir para uma escola dita especial ou ir para o ensino regular, ensino, enfim, público. Qual que é o caminho?

Karina: Então, vamos lá. Eu acho que a gente precisa deixar claras algumas questões que são importantes. A primeira delas é que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, define que, num período de 11 anos, não haverá mais escolas especiais. O Brasil é o único país do mundo que aboliu as escolas especiais. Todo mundo trabalha com a inclusão, com a educação inclusiva. Mas, o Brasil decidiu que não haveria mais escolas especiais. Eu gostaria de dizer que, em vários congressos, em Portugal, na Inglaterra, que a gente tem frequentado, essa é uma discussão interessante. Porque, em Portugal, por exemplo, nós tivemos o congresso em Lisboa, que teve a Carta sobre a Equidade na Educação e eles falam que – e aí nós tivemos 28 representantes de países diferentes – que as famílias precisam ter o poder de escolher se eles querem que o filho esteja em uma escola especial ou se eles querem que ele esteja na educação inclusiva. Então, eu concordo com isso, eu acho que… e aí a gente tem que fazer um pouquinho de … voltar a olhar essa política e o movimento brasileiro, porque falar de inclusão escolar no Brasil não é uma questão ideológica, não é uma questão de se considerar epistemologicamente isso um conceito importante. Foi simplesmente financeira, para diminuir custos. Porque a escola especial é cara. Então, a gente tem que ser muito objetivo pensando isso. Então, quando você abole as escolas especiais, você… ou seja, cria o fluxo para as escolas regulares em classe comum.

Gente, um equívoco que também precisa ficar claro: as escolas especiais eram escolas regulares. Elas eram regularizadas, tinham toda sua documentação, eram regidas por diretorias de ensino. Então, não quer dizer que elas não eram regulares. O grande detalhe e o que a gente precisa dizer é “em classe comum”, tá? Porque é junto com os outros estudantes.

A pergunta vem: “e o que nós temos hoje de estrutura?” Hoje nós temos as escolas bilíngues para surdos. “Nossa, mas a escola bilíngue para surdos é libras”. E aí eu gostaria que a gente parasse para pensar na infinidade de escolas bilíngues que existem, ou seja, as escolas que trabalham com inglês, as escolas que trabalham com francês, as escolas que trabalham com alemão, Humboldt, Porto Seguro…

Arnoni:  Que nem são línguas… oficiais do Brasil, né?

Karina: Sim! Que não são línguas oficiais e que a libras é a segunda língua, digamos, assim,  oficial do Brasil, porque ser a língua da comunidade surda.  A questão de ser bilíngue não é novidade, simplesmente há o preconceito porque nessas escolas a língua de instrução será libras. Então, acho que é importante que a gente pare para pensar nesse movimento. Então, hoje, se você me perguntar, escola bilíngue para surdos na educação infantil é muito interessante. Por quê? Porque essa criança precisa adquirir libras e precisa aprender a gramática da libras. Séries iniciais, primeiro e segundo ano: também penso que a gente pode considerar a língua de instrução libras. A partir daí, eu diria que seria interessante não só para a comunidade surda, mas também para os ouvintes, ou seja, quem não tem limitação auditiva, que haja esse contato, que eles venham para a sala de aula junto com os outros.

Mas um outro equívoco que se comete no Brasil é você colocar um surdo no meio de 35 ouvintes. Se você faz isso, a libras nunca vai ser a língua de comunicação ou a língua de acolhimento. Então, você precisa fazer grupos de surdos nas salas. Grupo de surdo em sala obriga, por lei, a ter um intérprete, ou seja, o professor não vai dar aula nas duas línguas. Ou ele vai dar aula em libras ou ele vai dar aula em português, com acesso à língua, não criando barreiras linguísticas, por meio do intérprete.

Arnoni: Aproveitando, então, que você falou um pouco de intérprete (e você sendo uma professora de libras), como fica a formação e a especialização de docentes e intérpretes aqui no Brasil?

Karina: Tá. Então, essa formação está definida no decreto nº 5626 2005. O professor, para ser professor de libras, ele tem que ter doutorado, para ser na universidade. Porque, isso é uma questão importante do decreto, né, a libras só se torna uma disiciplina obrigatória nas universidades, nas licenciaturas, e fonoaudiologia. Então, se fala em divulgar, em difundir a língua, mas não se pensou em uma forma de fazer isso na escola e na educação como um todo. Então, nós já passamos 12 anos do decreto e as escolas de educação infantil não estão usando libras, não estão ensinando libras em nenhum outro nível de ensino. Não quer dizer que a gente tenha o número necessário ou suficiente de professores para a língua. Como eu dizia: para dar aula na universidade, você tem que ser doutor, ser proficiente na língua, ter especialização ou ter o PROLIBRAS, que aconteceu até 2015. Depois disso, a gente não teve mais provas de PROLIBRAS, que era a validação do Ministério da Educação. Nós tivemos um movimento de investimento alto do MEC para fazer cursos nas universidades federais de tradutor e intérprete. Tá? Por quê? Vale a pena destacar isso: quando você está trabalhando com a libras, você não está traduzindo uma língua, você está interpretando. Porque em português, uma frase pode ter 10, 12 palavras… em libras ela passa a ter três sinais. Porque a grande questão é que você não quer fazer tradução literal, mas você quer permitir a compreensão, por isso exige a interpretação. Tá? E os intérpretes… eles são formados em cursos específicos. Hoje, em função desse investimento do MEC, nós temos dois cursos de Pedagogia Bilíngue, ou seja, que se formem pedagogos que vão dar aula na Educação Infantil e séries iniciais, um é o INES e o outro é na Universidade de Goiás e tem vários cursos de tradução e interpretação de libras, inclusive o mais próximo daqui é em São Carlos. O INES está fazendo polos para Pedagogia Bilíngue com ensino semi-presencial. Aproveito, sim, para divulgar: no ENEM, deste ano (2015, 2016 e 2017), os surdos que fizeram podem se candidatar a fazer o curso de Pedagogia Bilíngue. Então, por favor, divulguem isso, porque isso é muito importante! É um curso, se eu não me engano, com 60 vagas, são 30 para ouvintes e 30 para surdos. Então é uma possibilidade, uma oportunidade, de o surdo chegar à universidade.

Arnoni: Bom, Karina, agora pensando em um futuro, né, já que teve esse tema de redação do ENEM, qual que você acha que é a importância desse tema para a educação dos surdos ou de pessoas com deficiência aqui no Brasil? Você acha que vai representar um avanço daqui para frente trazer esse tema para um dos maiores vestibulares ou um dos maiores, o maior exames do Brasil?

Karina: Eu diria que primeiro nós temos o efeito do impacto. Os jovens que fizeram a prova não saíram daquela prova da mesma forma que entraram. Então, se o desejo era dar um chacoalhão, chacoalhou! Agora, depois de chacoalhar, a gente tem que tomar atitudes. Então, acho que tem que se repensar, sim, esse movimento de em que espaços a libras está, como é que se faz esse movimento de formação em libras e traz uma esperança nesse movimento de que nós possamos pensar uma sociedade um pouco mais inclusiva. Nós temos… isso eu não canso de dizer: a política brasileira, é uma das leis (da escrita) melhores do mundo! Isso foi ratificado em 2015, no Congresso de Lisboa. Só que a implementação é o grande problema. Então,  acho que, se a gente parar de escrever boas leis e passar para a ação, eu acho que seria bem interessante… Como é que isso acontece? Com a formação de professores, com a formação das comunidades escolares, com os jovens que não sabem libras querendo aprender libras. Então, acho que… o que eu penso de futuro? Primeiro é dizer: as pessoas com deficiência têm história, têm espaço, têm demandas e têm direitos. E elas existem. Por mais que na tua escolarização você não deu de cara com alguém, você vai encontrar alguém surdo na tua vida. Você vai encontrar alguém com deficiência intelectual na tua vida. Aproveito para extrapolar um pouco a questão da educação de surdos. Então, acho que é importante que a gente leve em consideração isso: o impacto, o choque, e, agora, sim, o que nós faremos em relação a isso pensando a própria escola, pensando a própria educação.

Arnoni: Legal, e você comentou agora…  pessoas que querem buscar formação, querem aprender libras. Então se a pessoa que está nos ouvindo ou nos lendo agora quiser aprender libras, como que ela pode fazer?

Karina: Então, em São Paulo. Vou falar em São Paulo que é onde a gente tem maior contato né. Nós temos o COGEAE da PUC. Ele é um curso pago, sim, porque… É interessante pensar um pouco nisso, porque muitos cursos de libras eram feitos em igrejas. Então, havia algumas… nada contra, não tô dizendo que não é importante, mas o ensino ali se resumia a religião, a esse movimento. Então, nós temos a escola de surdos que era da PUC e hoje é a Derdic que lá tem o curso de libras com professores surdos, é muito interessante é muito bom, é um dos que eu indico ele é do COGEAE. E vocês também têm na Consolação e na zona norte, na Rua Voluntários da Pátria, você tem também uma unidade que oferece. Você tem também a escola Seli que fica no Tatuapé, que é onde eu comecei os meus meus cursos de libras e também… se eu esqueci algum me desculpem, O Derdic, a Seli… A Seli também tem curso de especialização para quem quer fazer a interpretação. Eu acho que é interessante, é um curso interessante. Então, existem lugares bons em São Paulo para se fazer curso. No demais, em outros lugares, e outros municípios seria interessante procurar… a Feneis também tem o curso básico e tava fazendo intermediário… Procurar as sucursais da Feneis ou Associação de surdos nos municípios que aí você consegue também fazer um curso de libras interessante

Arnoni: Quer falar alguma coisa de consideração final?

Karina: Não, acho que tem que fazer uma divulgação cultural.  Que a Pinacoteca tem uma uma mediadora surda, que ela faz uma vez por mês a visita ao museu em libras. Então, acho que é importante isso também. A Pinacoteca tem um trabalho seríssimo em relação a cegos também. Então, eles têm a uma área toda acessível, feita em relevo então acho que vale a pena a Pinacoteca tem um trabalho muito bonito em relação a isso.

Arnoni: Legal. E por lei deveria ser em todos os museus.

Karina: Todos os lugares.

Arnoni: Karina, queria agradecer muito a sua participação e muito obrigado por ter vindo aqui.

Karina: Foi um grande prazer conversar com vocês. Desculpem se foi pouco tempo ou se a gente precisa abordar mais alguma coisa, mas foi uma oportunidade que eu gostei muito. Eu acho que divulgar isso é fundamental. E, assim, o tema do ENEM… ele traz para gente uma reflexão que é: existe diferença no mundo. Agora, o que a gente vai fazer com isso? Eu costumo dizer nas minhas aulas que agente fala de educação inclusiva, educação inclusiva. Será que cada um de nós realmente é inclusivo? Então, pare para pensar, o quanto você é inclusivo? O quanto você tá no metrô, no ônibus e você vê alguém mexendo as mãos e você diz assim: “nossa que estranho.” Como é que a gente estranha? Se o teu estranhamento é dizer “não, eu vou aprender essa língua”. Parabéns. Se o teu estranhamento é dizer que “o outro é diferente” que “o outro é deficiente”, aí nós temos um problema. Então, uma sociedade inclusiva, só se faz com pessoas inclusivas.

Arnoni: Excelente. Acho que é bom para terminar essa parte.

[Vinheta musical]

Arnoni: “Bom, muito legal a participação da Karina, né. Acho que ela trouxe temas e discussões muito importantes. Infelizmente ela não pode ficar até o final. Ela tem um outro compromisso agora. Mas, vamos continuar aqui, nós três, falando um pouco sobre nossas experiências ou sobre coisas que a gente gostaria de falar também, né.”

Marx: “É, particularmente, eu não tenho grandes experiências com surdos e nem com a cultura surda, como ela mesma colocou. Eu acho que eu nunca cheguei a dividir um espaço de fato. Acho que, por conta da escola… E acho que é legal, né, quando ela falou da questão do preparo da escola, tem um monte de coisa que nos faz pensar, né. A gente vai cruzar, provavelmente, em algum momento com um surdo, mas a escola se prepara pouco, né, pra esse tipo de recepção, digamos assim.”

Arnoni: “E é estranho a gente pensar que, segundo dados do IBGE novamente, a gente tem 24%, né, de 20 a 24% da população tem algum tipo de deficiência. E onde que estão essas pessoas, né, que a gente não vê elas na rua? Nos episódios que eu sugeri no começo, do Dragões de Garagem e do Mamilos, elas também tocam nesse tema, né. Porque é bastante gente e a gente não vê. E onde elas estão? Dentro das casas delas, estão, tipo, fora do convívio social.”

Marx: “É, porque, se você pensar que a educação é completamente mal elaborada nesse sentido, né, então troca-se escolas especiais por um sistema regular com inclusão, a gente vê que… e, junto com isso, não há uma preocupação efetiva de formar professores no sentido de que eles tenham libras como uma segunda língua, etc… o processo de marginalização acaba continuando, né. E é isso que o Arnoni falou. As pessoas não tendo oportunidade de ter acesso a educação, ou indo pra uma sala de aula onde ela vai ser a única pessoa surda, o processo, ele não, se efetiva, né. Você não consegue ter um acesso efetivo ao conhecimento, a toda a cultura que a gente produz.”

Gollum: “Tive uma dúvida quanto a isso que ela estava falando, que se trocou a sala… as escolas especiais pelas escolas regulares… Professores receberam uma formação diferenciada, alguma coisa assim, pra poder receber essas…? Porque todas as pessoas que estavam fazendo nas escolas especiais tiveram que ser depois adicionadas pra uma escola regular, né. Mas as escolas estavam preparadas? Ainda estão ou não estão?”

Arnoni: “Bom, estava até conversando com o Marx antes do começo do episódio de que as escolas não estão preparadas pra ninguém, né.”

Marx: “Não só professores!” [Risos]

Arnoni: “Não só pra surdos. A escola não está preparada pra ninguém. Mas eu posso contar um pouco da minha experiência durante a licenciatura. Fiz estágios em escolas que tinham pessoas com deficiência. E como funciona basicamente… isso porque eu fui numa das escolas-referências da minha região. Como funciona basicamente? Fica a pessoa com deficiência dentro de uma sala de aula e aí fica um cuidador ou intérprete, enfim, alguém lá, e ela fica completamente segregada do resto da turma. Fica, tipo, a sala inteira e ela sentada numa mesa sozinha fazendo ãs vezes atividades que não são nem as mesmas que o resto da turma tá fazendo. E aí, nessa escola que eu fui, tive a oportunidade de acompanhar uma sala de apoio a especial, chamada SAE, no caso. E era onde os alunos iam pra fazer como se fosse uma aula-reforço, vamos assim dizer, né. Então, eles estavam sempre segregados da convivência com o restante dos alunos.”

Gollum: “Era de ensino regular, assim, não era, CIEJA?”

Arnoni: “Não, era de ensino regular, ensino fundamental 1 e 2.”

Gollum: “Eu fiz um estágio no CIEJA, que é um, EJA, que é uma Escola de Jovens e Adultos. Então, são pessoas que estão fazendo o ensino regular fora da idade ideal deles. Esse CIEJA que eu estava fazendo também recebe muitos alunos com deficiência, porque o que acontece é que esses alunos, por serem segregados, assim, não só, às vezes, socialmente, mas também na escola, eles acabam deixando de ir pra escola. Então eles têm que fazer a educação formal numa idade mais avançada e não na idade que eles conviveriam com crianças da idade deles.”

Arnoni: “É, uma coisa que, isso que o Gollum acabou de trazer e o Marx trouxe também, infelizmente a gente viu ou ouviu nos nossos relatos também que muitos enfrentam preconceito, né, isso acaba por excluindo eles. E essa exclusão acontece não só na educação como de qualquer parte da nossa sociedade, né. E se você exclui uma pessoa do ensino, você vai até excluindo ela, provavelmente, do mercado de trabalho também, né. Porque hoje a gente sabe que o mercado de trabalho e essas profissões, enfim, os empregos, eles requerem uma mão de obra mais especializada. E se você não tem acesso a uma educação, você não tem acesso nem a libras, nem a português, nem nada, você, só preconceito, você não quer sair de casa, enfim. Você até acaba ficando de fora de tudo isso.”

Marx: “É, eu acho que é ainda mais amputador do que isso, né, do que estar fora do mercado de trabalho. Você não tem acesso a cultura, você não tem acesso ao que é produzido ao seu redor, né. Então, muitas vezes você tem conhecimento de que há coisas sendo produzidas, há coisas no sentido de filmes, livros, cultura de forma geral, e você não consegue acessar por uma questão de você não existir em certa medida, né. Não existir pra quem dirige políticas públicas, né.”

Arnoni: “E, assim, a gente tá falando de… Nesse episódio, falamos especificamente dos surdos, mas existem diversas, enfim, tipos de deficiências e limitações. E pensa que, se falar “é difícil pro surdo e pra escola”, e, de fato, deve ser muito difícil, mas pensa, extrapola pra pessoas com outras deficiências, sabe. Às vezes a pessoa não consegue ir até a padaria, ou então ela vai na padaria, ela não consegue pedir um pão porque o padeiro não sabe libras, ou então ela não consegue se comunicar, ou então ela não enxerga se é um cago e não consegue andar até a padaria, ou então ela tem a mobilidade reduzida, ela é uma cadeirante, enfim, e ela não consegue nem chegar até a padaria, sabe? A educação nossa não… ela é muito falha pra receber essas pessoas, mas acho que ela é só um reflexo da nossa sociedade, que, como a Karina disse, ela é muito falha pra receber as pessoas. Acho que a educação acaba refletindo o quanto a nossa sociedade é falha.”

Marx: “É… Quando a gente esquece das pessoas na sociedade, não é na escola que a gente vai lembrar, né, infelizmente. Que a escola acaba sendo um reflexo de todo o resto, com todos os defeitos que isso traz. Às vezes lutar por uma escola que funcione de uma forma diferente é dar murro em ponta de faca, né.”

Arnoni: “Tem um dado aqui que apenas 400 mil pessoas com deficiência estão empregadas formalmente. O que representa 0,84% do total de vínculos empregatícios. Então, se você considerar que a gente tem 20% de pessoas com deficiência na sociedade e as pessoas com deficiência representam menos de 1% das pessoas que estão empregadas. Acho que isso mostra bastante, né.”

Marx: Acho que outra coisa que a gente acaba refletindo pouco é sobre a libras no ensino de Ciências. Como que funciona, ou funcionaria, esse idioma para a gente ensinar Ciências? Porque tem uma série de conceitos tão específicos.

Arnoni: Tem muitas expressões, né? A ciência… o ensino de Ciências tem um vocabulário extenso. Tem muitas palavras e muitas estruturas, muita nomenclatura de estrutura.

Marx: Se você pensar assim: “epiderme”, “adipócito”, tem algumas coisas que são tão específicas… “base nitrogenada”. E, tudo bem, isso é uma falta de compreensão minha, também, porque não é assim que a libras funciona. Não é uma… vou pegamos o português aqui e vamos transformar isso num gesto. Como a Karina disse, não é uma tradução de uma língua que a gente usa, mas tem a sua especificidade de pesquisa. Inclusive, se alguém se interessar pelo tema, acho que isso, como diria o nosso host “daria um episódio por si só”…

Arnoni: e dará.

Marx: …e eventualmente até dará. Como que se efetiva o ensino de Ciências através de libras, né? Se tem pesquisadores que trabalham com isso, acho que seria um tema bem legal de a gente abordar.

Arnoni: Alguém quer falar mais alguma coisa antes de a gente ir para as dicas culturais e essas coisas?

Gollum: Não lembro se foi na aula da Natália ou no episódio que ela participou com a gente, mas ela falou uma coisa (acho que foi na aula que eu fiz com ela): as escolas de ensino regular deveriam aceitar a matrícula de alunos com deficiência, mas o que acaba acontecendo é que, como muitas dessas escolas ainda não estão preparadas para ensinar esses alunos, eles acabam não aceitando a matrícula desses alunos. O que é contra a lei, né? Deveria ser aceito. E o que acontece é o que eu falei agora há pouco: eles acabam deixando de ir para a escola e depois fazendo o EJA ou o CIEJA mais tarde. E deixando de ser incluído na sociedade, como um todo, assim como educação e como cultura também.

Arnoni: Acho que isso que o Gollum falou: “além de ser proibido por lei”, eu li a lei de inclusão da pessoa com deficiência, não ela completa. Mas, de fato, ela é muito bem escrita. Na verdade, a nossa constituição, né, se você lê-la, você fala: “nossa, que mundo bonito que a gente vive, né? Que mundo ideal!”. Como a Karina mesma disse, é uma pena que não é cumprido o que tá na lei.

Gollum: O que acontece é que, como as escolas recebem poucos alunos, poucas matrículas de alunos com deficiência, elas não se equipam ou se preparam, porque elas acham que a demanda é baixa, mas existe pouca demanda porque não existe preparo das escolas. Então entra num ciclo, assim: a escola não está preparada, então o aluno   não é matriculado; quando o aluno tenta ser matriculado, a escola não está preparada e o ele não pode se matricular.

Arnoni: Exatamente! Acho que no episódio dos Dragões de Garagem eles chegam a comentar isso, né. Eles falam que chega um cego no cinema e fala assim “vocês têm audiodescrição?”, que é um jeito de o cego poder acompanhar o filme. E aí o cara fala, “ah, não, não tenho, porque não vem cego no meu cinema.” Mas, não vem cego no seu cinema exatamente porque você não tem isso”.  É que nem você, sei lá,  fazer uma festa em um topo de um prédio e, aí, a pessoa fala assim, ‘ah, você não tem rampa para cadeirante?” e você fala, “ah, o cadeirante não vem na minha festa”. Cara, é no topo de um prédio! É óbvio que um cadeirante não vai lá se você não fornecer meios para que ele consiga chegar lá.

Para fechar, então, eu espero que esse episódio sirva para sensibilizar e dar maior  visibilidade ao movimento surdo. Como dito no começo do programa, nossos canais estão abertos para quem quiser contribuir com a discussão. Eu, particularmente, fico feliz de que o ENEM traga essa discussão e espero que isso se transforme em mudanças na realidade e na vida da comunidade surda e das pessoas com deficiência.

E que, cada vez mais, elas possam se inserir e participar efetivamente da nossa sociedade e tomar decisões por conta própria. As pessoas com deficiência não estão lutando por privilégios, elas lutam por dignidade humana, elas lutam para conseguir fazer o que qualquer pessoa deveria ter por direito, como educação, lazer, cultura e um tratamento digno por parte do Estado e da sociedade.

Arnoni: Bora para o nosso disco de ouro, então?

Marx: Bora!

Gollum: Bora!

 

[Vinheta musical]

 

Arnoni: Quer começar, Golleta?

Gollum: eu começo! Tô cheio de dicas esta semana. Faz tempo que eu não gravo, estou cheio das coisas aqui. Só preciso lembrar delas.

Arnoni: Só quero saber se você faz tempo que não grava não grava porque você fica assistindo às coisas que aparecem nas gravações,  é isso?

Gollum: Não, não. Não é não. Eu tava editando. Eu não gravei, mas editei vários episódios e também tava apertado nesse final de semestre. Minhas dicas… elas não tem nada a ver com o episódio. Então, vamos lá: Primeira dica é uma série e ela se chama This is us, e ela não tá no Netflix, mas você pode achar ela pelos sites, pela internet.

Marx: Já não devia poder dar essa dica. Sou contra.

Gollum: É uma série muito legal. É um novelão, assim, é uma série de drama. Conta a vida de um casal que tem três filhos e… é basicamente isso. A primeira temporada tem 18 episódios contando a vida deles. E também mostra a vida dos filhos depois de grandes, assim. Mas, a série é muito boa. O jeito que eles contam a história é muito bom. A parte de fotografia é muito boa. E tem uns cortes assim que é muito legal, porque tem várias linhas do tempo acontecendo ao mesmo tempo, então às vezes eles dão uns cortes, assim, que vai de uma linha do tempo para a outra muito suavemente. Eu acho incrível o jeito que eles editaram a série também. Então, fica aí, se você for assistir, já prepara uns lenços porque a série é emocionante.  E eu acho que é isso. Vou ficar só com essa por enquanto. Ou será que eu dou mais? Não sei.

Arnoni: Corre o risco de dar várias dicas e no episódio seguinte ficar sem nenhuma. Às vezes, eu guardo algumas dicas.

Gollum: Tá. Acho que eu vou parar por aqui , então.

Arnoni: Então eu vou dar minhas dicas. E eu tenho algumas para dar, então. Não vou usar a própria tática, que eu acabei de mencionar. A primeira dica que eu tenho para dar é de um canal no Youtube, que chama ViSurdo, que é um canal, pelo que eu entendi, de várias pessoas, mas eu vi o vídeo só de uma menina, em que ela conta como é ser surda, do dia a dia dela e tem um episódio em que ela apresenta a família dela e ela fala como é que foi a formação dela, como que foi, desde pequena, porque ela e o irmão dela são surdos, mas a família dela é ouvinte. Então, ela conta um pouco e a mãe dela conta um pouco. E eu achei muito, muito, muito legal os vídeos desse canal. Chama ViSurdo. Vai estar na postagem, obviamente.

Segunda dica, é uma dica que o Caramelo deu no episódio passado, mas eu não estava aqui, aproveito para reafirmá-la. É uma série da Netflix que chama Atypical, que fala um pouco do dia a dia de um menino autista. Ela é muito legal, é uma boa série para você se colocar no lugar de outras pessoas. Recomendo bastante. O Caramelo já deve ter feito a propaganda dela, então vou só reafirmar.

Gollum: Ela é bem divertida também.

Arnoni: É. Apesar de ser um tema, quando você olha pela primeira vez, pesado, assim, né? Mas, a maneira como é levado é muito legal.

E a terceira dica: Vejam no Youtube, na verdade, na Netflix, hoje, em programas da Globo, enfim. Muitos têm audiodescrição. Então recomendo para você um dia ver algo com audiodescrição. Entrar na netflix e colocar lá faixa de áudio com audiodescrição ou colocar no Youtube, você vai conseguir ver. É o jeito como os cegos conseguem vivenciar os vídeos. Então é muito legal. Tem um vídeo específico no Youtube que eu vou deixar linkado, que eu recomendo que você faça o seguinte: você abra o vídeo,  só que aí você fecha os olhos e dê o play e aí você tenta imaginar o vídeo como ele seria, como que ele é, através da narração. E, aí, quando ele acabar, você abre os olhos e assiste a ele novamente. Então é uma experiência legal para você ver a diferença das expectativas que a gente cria.

Ah, e façam o curso de libras. Vai ter um na nossa postagem, que é uma introdução na verdade, né, é basicamente a matéria que a gente tem aqui, que é muito legal. O curso de libras foi, de longe, uma das matérias que mais me transformou dentro da graduação. Recomendo para todo mundo que faça. Muda muito a forma como você enxerga o mundo e a educação principalmente.

Marx: Acho que a primeira dica cultural que eu vou colocar é uma que tem bastante a ver, é um aplicativo que chama Transcriber, que ele basicamente transcreve arquivos de áudio. Então, se a pessoa manda um áudio pelo Whatsapp, usando esse aplicativo, ele vai transformar o áudio num texto.

A segunda é que a Karina vai liberar um curso de extensão para o ano que vem aqui na USP pela Faculdade de Educação. Então, fiquem atentos ao site da faculdade de educação, para parte de Extensão e Difusão, que pode ser que esse curso role e vai ser muito interessante e muito proveitoso.

E, por último, uma dica que não tem nada a ver com o tema, que eu acabei de pensar nela, na verdade, é que, no dia 7 de dezembro, a gente vai ter a segunda temporada do Choque de Cultura, então, fiquem atentos aí na TV Quase e não percam a segunda temporada. É isso.

Arnoni: Excelente. Ah, lembrem-se também da dica que a Karina deu da Pinacoteca, né. Da exposição, não só da Pinacoteca, procurem museus, enfim.

Eu tenho só uma última informação, na verdade, dois avisos. O primeiro aviso é: se você é surdo e tá lendo ou vendo, (no caso, se a gente fizer gestual) esse episódio e quiser contribuir de alguma forma, mandar depoimento, por favor, as portas estão sempre abertas. Na verdade, qualquer pessoa, a gente está sempre aberto a receber qualquer tipo de comentário. Então, a gente gostaria muito de saber o que que vocês acharam deste episódio.  

E o segundo, a gente recebe, algumas vezes, pedidos de pessoas nos nossos Facebooks, enfim… de pessoas pedindo para compartilhar alguma iniciativa “ah, estou fazendo um financiamento coletivo, ajude a divulgar”. E a gente acaba recebendo muitos pedidos, então a gente acaba não divulgando quase nenhum. Porque ficaria meio injusto a gente divulgar um e não divulgar outro, enfim. A gente também não tem tanto contato e não sabe a finalidade do projeto. Mas, eu vou aproveitar para dar uma informação: que a Estação Biologia, que é um projeto de extensão aqui da USP, que a gente fez parte (todo mundo aqui do podcast) tá com um financiamento coletivo para fazer um documentário. Então, a gente vai deixar o link aqui no post. Se você quiser contribuir, fique à vontade e ajude. A gente não costuma divulgar muito, mas, como fizemos parte, a gente tem um apego muito grande a esse projeto e acho que vale a divulgação.

Marx: Com certeza!

Arnoni: Então é isso. Bora para a caixa de mensagens?

Marx: Bora!

 

[Vinheta musical]

 

Arnoni: Vamos começar agora com a nossa caixa de mensagem. Quem está aqui conosco para nos ajudar a ler as mensagens que recebemos durante essa semana é o Caramelo que não participou do episódio mas está aqui agora conosco.

Caramelo: Olá.

Lucas: O Tom que não participo do episódio, mas também está aqui. Oi! [risos]

Gollum: E eu, que participei do episódio e estou aqui.

Arnoni: Bom. Bora então para a leitura da nossa caixa de mensagens. Recebemos todas as mensagens pelo nosso e-mail que é o contato@alociencia.com.br. E a primeira mensagem é do Henrique, que é o nosso mais recente apoiador do projeto e está colaborando financeiramente conosco. Então, Henrique, primeiramente muito obrigado pela colaboração e, em segundo, por nos mandar mensagem aqui. E, se você quiser colaborar também, colabora no alociencia.com.br/colabore e lá você vai descobrir como dá para fazer isso. Bom, ele começa a mensagem com “Alô, alôciência, meu nome é Henrique e recentemente juntei meu time de apoiadores desse excelente podcast, estou maratonando e queria escrever depois de ouvir tudo, mas não resisti após ouvir o último episódio sobre consciência (…)” – que foi o nosso episódio anterior – “(…) adoro quando um papo científico flerta com a filosofia, mas nesse episódio ela foi abraçada e beijada. Que beleza! Muito obrigado a todos, em especial ao Altair pelo conhecimento que ele trouxe.” E ele coloca aqui: “Uma dúvida: se se sabe que o peru não tem metaconsciência porque ele faz dança de acasalamento para o cabo de vassoura, quando uma pessoa transa com uma boneca sexual, ela desliga sua metaconsciência?

Lucas: É, essa pergunta aí a gente quando leu, ficamos debatendo aqui, mas na verdade é o seguinte: Sim! Ele de fato, né. Bom, ele…

Caramelo: Sim o que, velho? É Não! Seres humanos não desligam a metaconsciência.

Lucas: Então, mas você… Não é que desliga, mas você não está utilizando esta metaconsciência uma vez que você não quer flertar com aquela boneca inflável, certo?

Caramelo: Não, velho, não. Calma aí. Você tá confundindo as coisas.

Gollum: Você é consciente que você tá transando com uma boneca inflável. Que você está fazendo aquilo por prazer. Que aquilo não é uma mulher.

Lucas: De fato. Mas você não está se colocando no lugar dela.

Gollum: Mas isso não é metaconsciência.

Caramelo: É que assim, a metaconsciência… Vamos retomar aqui, hora da revisão. A metaconsciência é quando você tem a consciência de si próprio e que você tem consciência. Ou seja, quando você está transando com uma boneca inflável, não sei se estamos utilizando bem o verbo transar, mas…

Lucas: Roçando… [risos]

Caramelo: Quando você está roçando… você está consciente de que aquilo é uma boneca inflável, você em nenhum momento acha que aquilo é uma pessoa. A menos que seja uma patologia, aí talvez, se perca a metaconsciência. É, perda de consciência. Pode ser que o cara tenha alguma psicopatologia e ache que aquilo é uma pessoa.

Arnoni: Altair, se você tiver ouvindo a gente, manda uma resposta aí. [risos]

Todos: Agora deu um nó na cabeça aqui. Deu um nó, deu um nó. Manda para o Naruhodo! essa pergunta aí… [risos]

Arnoni: Excelente sugestão, manda para o Naruhodo!, que com certeza o Altair conseguirá responder melhor essa pergunta. E, o Henrique acaba o e-mail com uma “dúvida séria”, porque a outra não era séria.

Caramelo: Então a gente gastou o tempo precioso…

Gollum: Mas ele deixou um emoticon alí ó. Risadinha 🙂

Arnoni: É verdade! Então, desconsidere toda a nossa resposta porque ele mandou uma risadinha do tipo “haha, não precisam responder. Então a gente não vai responder.

Caramelo: Então a culpa é do Sr. Arnoni, que não interpretou bem o e-mail.

Arnoni: Foi mal. [pausa e risos] Aí ele continua com a dúvida séria: “(…) É possível dizer que uma forma de vida extraterrestre provavelmente não é inteligente?” Calma aí que ele colocou um não maiúsculo, então eu vou ter que ter que colocar uma entonação aqui. “(…) NÃO!! é inteligente? Ou digamos, provavelmente não tem metaconsciência, uma vez que se trata apenas de uma característica dentre milhões que podem evoluir? Quer dizer, das inúmeras características vantajosas que podem surgir e evoluir, a metaconsciência é só mais uma. Não necessariamente favorecida entre outras, portanto, seria extremamente raro de ocorrer, digamos, num nível humano, procede?”

Caramelo: Hum, sim e não. Porque o Altair fala sobre possíveis explicações que poderiam favorecer mesmo o surgimento da metaconsciência como, principalmente, seleção sexual ao invés da seleção natural. E, outras vezes ele só fala que uma teoria que surgiu ao acaso e permaneceu ao acaso. Mas não dá pra saber.

Lucas: Mas, se surgiu ao acaso, seria por deriva, certo?

Caramelo: Pode ser que sim. Porém não há uma explicação sólida, por enquanto, se isso se mantém por seleção sexual.

Lucas: Mas, se fosse por caso poderia surgir né?

Caramelo: Poderia. Não estou dizendo que é impossível, apenas muito pouco provável.

Arnoni: Nossa, acho que a resposta desse e-mail ficou tão complexa quanto o próprio episódio em si.

Caramelo: O guia do mochileiro das galáxias! [risos]

Lucas: Aliás, pendência, ein? A gente falar sobre deriva.

Arnoni: Já está anotado. Inclusive já estamos entrando em contato com pessoas que vão nos ajudar nesse episódio. Quem vai nos ajudar a ler a próxima mensagem?

Lucas: Bom, a próxima mensagem é do Renan. Ela veio por e-mail. “Olá pessoas, sou aluno de mestrado da ecologia aqui do IB-USP (Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo). Como estou no momento de tirar as minhas amostras, estou aproveitando essa fase do meu trabalho para ouvir o podcast de vocês. Acho bem bacana a iniciativa de vocês, vou fazer uns comentários sobre alguns episódios que ouvi”. Espera, é da ECO…

Arnoni: Espera! Só um minuto. Gostaria de dizer que passou uma carinha feliz ali e o Lucas (Tom) também não representou ela durante a leitura. [ironia]

Lucas: Ahhh ée?! Eu pensei que era um erro de digitação. [risos] Enfim, talvez eu conheça esse Renan. Talvez ele seja do meu laboratório.

Caramelo: Ah, é o loiro!

Lucas: É o loiro! Acho que é. Só pode. Renan. Mestrado de ecologia no IB.

Caramelo: Ah de todos os mestrandos que podem existir. [risos]

Lucas: Bom, enfim. Ele queria fazer um comentário de todos os episódios que ele ouviu “Então o número “#30 – A reciclagem vai salvar o mundo?”, fiquei ouvindo todo o programa esperando o momento que vocês tocariam no cerne da questão: não existe desenvolvimento sustentável no capitalismo….

Arnoni: Só um minutinho. Ele escreveu tudo em caixa alta. Eu achei que você não deu a devida importância.

Lucas: Eu falei 3 decibéis acima. Mas vou falar um pouquinho mais então. “NÃO EXISTE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO CAPITALISMO” [gritando]. Agora a gente perde um monte de pessoas falando que a gente é socialista. “E queria complementar a ideia de que se, por acaso, alguma ação “sustentável” está sendo amplamente difundida pela mídia, Estado, empresas, é porque provavelmente ela gera lucro para alguém, o que direta ou indiretamente alimenta esse modelo econômico. Achei muito bacana também a fala da professora dizendo como essa discussão se insere no pensamento da educação ambiental crítica como tema gerador”. Comentários?

Caramelo: Agradecer novamente a professora Rosana.

Lucas: Vocês concordam? Não existe desenvolvimento sustentável no capitalismo?

Arnoni: Esse tema rodou bastante no grupo de Whatsapp dos nossos colaboradores e eu acho que não precisa ser necessariamente no capitalismo. Não existe desenvolvimento sustentável. Acho que a gente poderia fazer um episódio só sobre isso. Com a palavra “sustentável” vem sendo usada ao longo do tempo.

Lucas: Exatamente. Acho que inclusive tem diferentes percepções do que é sustentável em si. Claro que tem aqueles três pilares principais. Mas se você perguntar para um dono de empresa o que é sustentabilidade não é a mesma coisa que um biólogo vai falar, ou que um economista, sociólogo. “Achei super legal alguns experimentos e outros pontos que vocês citaram, e queria complementar com dois pontos: 1) eu vejo astrologia como uma religião, e como qualquer religião, ela se vale de angústia, medo e/ou sentimento de incompletude da pessoas, e como qualquer religião, ela deve ser respeitada. Uma vez compreendida dessa forma, vejo que é uma área muito interessante para a ciência tentar entender, não o poder premonitório mas como as pessoas se permitem acreditar nesses discursos.

Arnoni: A gente inclusive durante o episódio fala da relevância social e cultural da astrologia. A gente em nenhum momento minimiza essa influência que a astrologia tem na nossa sociedade. Mas em termos científicos, bom, enfim, acho que ficou bem claro no episódio.

Caramelo: Sim, acho que o que ele defende é tipo, a escola do imaginário. Toda criação imaginária é uma sagaz fuga da determinável certeza que a gente vai morrer no fim. É tipo isso.

Arnoni:  Mas você pode fugir de várias maneiras.

Caramelo: Não, eu sei. Mas tipo a escola do imaginário estuda isso. O que de imaginário se cria na vida que é uma fuga. Entendeu?

Lucas: Eu acho que a ideia do Renan aqui é abrir a bíblia e tentar provar que não existiu Arca de Noé. E, a partir do momento que você olha a astrologia como religião, é tentar entender mais o psicológico das pessoas, o que tem por trás disso. E não necessariamente tentar desvalidar ela ou não, uma vez que é uma religião. E o segundo ponto da astrologia que ele diz é: “(…) Agora, em relação a minha grande birra com a astrologia, usando o pensamento de Karl Sagan, que vocês citaram: Olhar os astros é uma grande lição de humildade para o ser humano, vejo que os astrólogos perdem uma ótima oportunidade de tentar entender a natureza dessa forma, pois por meio da observação na maior escala espacial na qual podemos olhar a maior preocupação é ver como aquilo influência o ser humano. Entendo como é interessante estudar o ser humano, mas por favor entendamos como não somos porra nenhuma perto da imensidão dos astros. É isso pessoal, vou continuar ouvindo vocês e mandando comentários. Abraços”. Ah, é ele mesmo, é o Renan. É o Renan do meu lab. Salve, Renan. Ele assina sempre assim, com “há braços” com “h”. Algum comentário aí de vocês?

Caramelo: Concordo.

Arnoni: É, eu concordo também. Acho que esse segundo ponto ele basicamente falou: astrologia, vocês deviam ir para a astronomia e ver como a gente pode ver a beleza do mundo sem precisar… enfim…

Caramelo: Vai pra astronomia e vai estudar psicologia se você quer entender o comportamento humano.

Arnoni: Exatamente.

Gollum: Último e-mail é da Beatriz e ela fala: “Olá pessoal do AlôCiência, me chamo Beatriz, tenho 16 anos e acabei de ouvir o episódio 18 sobre o Guia dos Mochileiros das Galáxias, e o episódio 30 sobre reciclagem e senti que meu dever como cidadã parabenizá-los pelo trabalho que vocês tem feito (…)”.

Lucas: Para aí! A gente fica muito feliz que alguém de 16 anos está ouvindo isso, por favor, divulgue para os colegas e ensine eles a baixar, beleza? É só isso.

Arnoni: E eu fico muito feliz de uma pessoa de 16 anos escrever que ela sente que era o dever dela como como cidadã nos parabenizar pelo nosso podcast.

Gollum: “(…) Creio que só faltam 2 episódios para eu terminar de ouvir todo o conteúdo disponível e já posso concluir que desde o episódio 12, sobre mulheres na ciência, vocês já me ajudaram a entender um pouco mais, não só sobre ciência, mas sobre eu mesma. Sempre, desde os 13 anos, quis ser bióloga e escrever livros sobre ficção científica mas vários fatores tornavam isso difícil pra mim, vocês devem imaginar quais sejam eles, mas para exemplificar: a dificuldade de encontrar artigos e notícias científicas verdadeiras e acessíveis, sexismo dentro da área, o tabu que é falar sobre alguns temas e até a raridade de encontrar pessoas que queiram debater ciência no dia a dia. Maaaas o podcast de vocês serviu de porta para muitas coisas, saber que existem pessoas divulgando algo lindo chamado ciência, dessa forma inteligente e divertida que vocês fazem só me faz ter mais fé no brasileiro e o podcast de vocês me faz ter fé na ciência brasileira como um todo. Vejo muita gente falando sobre divulgação científica nos últimos tempos e agora eu entendo o porquê disso ser tão importante. Tenho certeza que se continuarem fazendo o trabalho excelente que fazem, continuarão a incentivar todos os jovens questionadores a se encontrarem, como eu me encontrei na ciência, Ah, convidem a Camila do “Peixebabel” para um episódio sobre robótica/inteligência artificial, pelo amor de deeeeeeus! Obrigada por tudo, grande grande abraço. Com carinho, Bia.”

Lucas: Ahh, que dahora, meu!

Arnoni: Excelente esse e-mail da Bia.

Caramelo: Arrepiou! Arrepiou!

Arnoni: Coisas que eu queria destacar nesse e-mail. Primeiro, e não mais importante, a leitura brilhante do Gollum, que onde era caixa alta, leu de forma mais vibrante; quando ela repetiu as vogais, eles deu uma esticada maior. Parabéns, Gollum.

Gollum: Obrigado. Muitos anos de teatro acho que valeram a pena. [risos]

Caramelo: Imaginei agora o Gollum pequenininho. Ahh, mulecada! Ser ou não ser? [voz infantil] [risos]

Arnoni: Mas agora o segundo e mais importante: esse e-mail da Beatriz, que só tem 16 anos, chama muita atenção pela forma como ela escreve, ela é uma pessoa que para ser tão esclarecida em pontos tão importantes. E a gente fica muito feliz de receber esse e-mail com essas palavras muito legais que você trouxe.

Gollum: Uma coisa que me fez lembrar de eu mesmo lendo seu e-mail, eu me interessava bastante pela ciência já, desde de… faz tempo né. E na época do cursinho eu queria fazer biologia e eu não sabia muito bem o que um pesquisador fazia ou o que um biólogo fazia. Então pra saber um pouco mais sobre isso e para discutir mais sobre ciência, eu acabava lendo coisas na internet. E nisso eu descobri o “Scienceblogs” e foi por lá que eu acabei me interessando por essa área de ciência, acadêmica, divulgação científica e sei lá, eu tenho o “Scienceblogs” como algo querido meu. Por isso que eu gosto de assistir Nerdologia com o Átila, que escrevia um blog lá também. Tem o Carlos Rotta, que não escreve mais, mas tem um twitter que está sempre ativo. Tem outros caras também. E um médico lá que se chamava Karl, e eu gostava muito de ler os posts dele também.

Lucas: É bom que podcast, e mídias assim, preenchem isso. Às vezes a gente não encontra na escola alguém que curta tanto quanto a gente. Que pire e comente tão a fundo sobre alguma coisa. Bom, eu fico muito feliz, muito feliz mesmo. Eu acho que 16 anos é um grande público aí que a gente almeja ganhar.

Arnoni: É bom ver uma pessoa de 16 anos tão esclarecida assim. Achei legal. Ah, no final ela fala pra gente convidar a Camila do “Peixe Babel”… Caramelo, o que você tem a dizer sobre isso?

Caramelo: Olha, se você consegue falar com a Camila, fala pra ela responder aquele direct que a gente mandou, aqueles e-mails que entramos em contato [risos] Assim, não que a gente não queria gravar com ela, a gente tá tentando.

Arnoni: Mas ela tá ocupada agora, ela tá participando daquele projeto do Youtube. Ganhando agasalho com o nome dela.

Caramelo: Ganhando casaquinho, gravando no Youtubespace, indo pro Rio de Janeiro, fazendo amiguinhos…

Lucas: Ah, invejoso. [risos] É nossa vontade mesmo, a gente tá fazendo o convite, espero um dia rolar.

Arnoni: Então se você tá nos ouvindo, faça esse episódio chegar até a Camila do “Peixe Babel”.

Lucas: Vamos fazer uma campanha. #lêcamila.

Arnoni: Bom, de mensagem era isso, mas queríamos novamente agradecer a Karina Maldonato que participou desse episódio e todas as pessoas que mandaram relatos, sejam escritos ou seja através de áudio. Novamente a Laís e todas as pessoas que ajudaram na produção desse episódio. Como já foi dito, esse episódio será transcrito. Será o primeira que a gente vai começar a transcrever. Então se você quer ajudar a transcrever não só esse, mas outro episódio do Alôciência, entre em contato conosco de qualquer maneira. Tem algo recadinho do webdoc? Quer relembrar?

Caramelo: Ah, realmente. A Estação Biologia está completando 30 anos. A Estação Biologia é um projeto no qual todos nós participamos, tirando quem não está presente aqui neste momento, que é o Marx e a Camila.

Arnoni: Camila participou.

Caramelo: Camila participou, mas foi por pouco tempo. Mas participou.

Arnoni: Mas por pouco tempo.

Caramelo: Mas por pouco tempo. A gente tá fazendo um projeto de financiamento coletivo no Catarse. Que aí a gente vai fazer um documentário para contar um pouquinho dessa história, para passar para outras galeras de outras universidades e falar que dá pra fazer projetos bem legais de divulgação científica, de extensão, pesquisa e ensino, gerida por alunos. Então a gente vai isso de uma maneira bem autogestionada, e a gente quer compartilhar isso com todo mundo.

Lucas: Só para vocês terem uma ideia a Estação Biologia é um entidade que quando a pessoa entra na biologia, ela pega gosto por dar aula, simplesmente assim. É o primeiro contato que as pessoas têm em dar aula. É muito significativo para futuros educadores. Há 30 anos fazendo esse trabalho, é incrível. De uma importancia enorme. Mudou minha vida, de verdade.

Arnoni: É um projeto sensacional e o link para acessar a campanha do Catarse, todos os brindes e um vídeo que ficou muito bem editado por sinal, pelo Caramelo, que já disse que adora editar vídeos.

Caramelo: Uhum [ironia]

Arnoni: Vai estar no nosso post. E então é isso, se você quer doar e financiar para ajudar esse projeto, entra lá. É isso?

Caramelo: Sabe quem já passou pela Estação Biologia?

Arnoni: Quem?

Caramelo: Atila. O biólogo. Pesquisador.

Lucas: Carlos Rotta também.

Caramelo: Carlos Rotta. Se você acha que a gente é esquerdalha, vai no twitter do Carlos Rotta [risos]

Arnoni: Sabe quem passou pela Estação Biologia?

Todos: Gollum. Jefferson.

Gollum: Na mais nada menos que ele, Albert Einstein. Foi lá que ele criou a teoria da relatividade geral [ironia]

Arnoni: Ahh, esse episódio já está muito longo. Um grande beijo para vocês e até daqui a duas semanas!

Todos: Falou! Beijos! Valeu!